Advaita: o Caminho sem Caminho

quarta-feira, 8 de abril de 2015

A HISTÓRIA DE COMO EU CONHECI GANGAJI, VIREI ESPIRITUAL E ENCONTREI O SEGREDO DA FELICIDADE ETERNA

Em 1993, eu estava cumprindo pena em uma prisão federal em Englewood, no Colorado. Estava no décimo quinto ano de prisão, por causa de assaltos a banco e atos de sabotagem de cunho político realizados durante os anos 70. Naquela época, eu não tinha absolutamente nenhum interesse em nada espiritual. Já tinha me convencido há muito tempo de que todas as coisas espirituais eram apenas histórias que contamos para nós mesmos, no intuito de nos ajudar a passar os dias sem morrer de desespero diante da óbvia inutilidade e desesperança de nossas vidas que, em última instância, são apenas carne morta, andando e falando até cair morta novamente. Eu realmente não tinha nenhum interesse em nada espiritual. Mas, em setembro de 1993, um amigo me convidou para uma reunião com uma mestra espiritual que estava para vir à prisão; segundo ele, ela era uma mulher loura e deslumbrante do sul do país, que trazia com ela um exótico ensinamento espiritual indiano. Ele me perguntou se eu gostaria de ir à capela e passar um par de horas com ela. Claro que eu gostaria. O objetivo dela não tinha importância. Eu tinha a opção de passar um par de horas em uma sala pequena, com uma loura deslumbrante do sul do país, com um ensinamento exótico para oferecer. Que mal poderia haver nisto?

Na noite de sua visita, eu estava andando até a capela, quando tive o que, retrospectivamente, penso que deve ter sido um ataque de pânico. Fiquei paralisado, tomado por terror. Sabia que ia morrer. Meu coração estava batendo disparado; eu estava suando e sem fôlego. Pensei que provavelmente estava tendo um infarto, embora não sentisse dor. Então, em vez de ir ver esta maravilhosa e exótica mulher, passei todo o tempo da sua visita sentado sozinho em um banco no setor superior, esperando que a experiência diminuísse até desaparecer. Sentado no banco, consegui racionalizar a experiência e ver que não era nada tão importante assim. Desta maneira, quando meu amigo saiu da capela e me perguntou por que eu não tinha ido à reunião, eu disse: "Ah, eu tinha algo melhor para fazer." E não disse mais nada.

Quase imediatamente depois disso, comecei a comparecer às reuniões com dois budistas tibetanos que vinham à prisão uma vez por semana, representando o Instituto Naropa, de Boulder. Eles eram discípulos de Trungpa Rinpoche. Não sei porquê, eu não tinha tido nenhuma experiência de despertar repentino; simplesmente comecei a freqüentar o grupo e a escutar o que eles tinham a dizer. E fiquei surpreso ao descobrir que tudo que eles estavam dizendo, eu já sabia. Não sabia que já sabia até ter escutado o que diziam mas, uma vez que tivesse ouvido, cada percepção intuitiva, cada explicação, cada ensinamento budista oferecido por eles era por mim instantaneamente reconhecido como o que eu sempre soubera ser verdadeiro. Assim se iniciou a minha prática budista. Eu me saí muito bem e prossegui muito rapidamente. Os homens que estavam vindo à prisão, representando o Instituto Naropa, estavam muito impressionados comigo. Só deus sabe o que estavam pensando, mas pareciam entusiasmadíssimos por terem me descoberto na prisão. Depois de algum tempo, eles trouxeram um lama tibetano para receber meus votos de refúgio e bodisatva. Percebi claramente que era, sempre fora e, sem dúvida, sempre seria budista. Não sei como contar esta história da minha apresentação ao budismo de uma maneira que faça sentido. Realmente não faz sentido algum. Simplesmente parece que aconteceu e tomou conta de mim com uma espécie de inevitabilidade implacável e irresistível.

Eu também estava comparecendo semanalmente às reuniões com as pessoas que vinham falar sobre Gangaji (a mulher loura do sul do país) e mostrar vídeos de seus satsangs. Quer coisa mais estranha? Eu, que era absolutamente não-espiritual, de alguma maneira tinha sido completamente capturado por este mundo espiritual, esta encenação espiritual. Mas, graças à minha profunda compreensão budista, eu agora era capaz de discernir entre a verdade e a falsidade neste campo, ou pelo menos acreditava que sim, e comparecia às reuniões sobre Gangaji com uma missão. Queria mostrar àqueles homens que se deixavam seduzir por esta mulher que ela era uma mentirosa, uma charlatã e uma trapaceira e eles não deveriam escutá-la. Acho que eu queria salvá-los de suas oferendas sedutoras. "Os budistas fazem isso há 2.500 anos e eles sabem o que fazem", eu dizia aos homens, com o que orgulhosamente considerava grande compaixão. "Iluminação exige trabalho longo e árduo; é preciso uma prática de meditação disciplinada e, quem sabe, várias vidas para atingir a liberação, e esta mulher vem aqui e diz que vocês não precisam fazer nada. Fiquem longe dela, eu os alertava, ela é um veneno."

Em abril ou maio de 1994, com três ou quatro meses de prática budista, o homem que tinha me convidado para o mundo espiritual pela primeira vez foi transferido para outra prisão. Ele tinha ocupado o cargo extra-oficial de contato entre a administração e todos os tipos espirituais orientais que vinham à prisão e, em sua ausência, este papel coube naturalmente a mim, a atual estrela do budismo tibetano na FCI (Instituição Correcional Federal) de Englewood. Portanto, quando chegou a época do retorno de Gangaji, em junho de 1994, eu era responsável por tomar as providências necessárias, avisar às pessoas e, na noite de sua visita, arrumar a capela para ela, encontrá-la na entrada e acompanhá-la até à capela, juntamente com seus acompanhantes, etc. Não me importava fazê-lo; ela podia ser o demônio mas, para mim, deus ou demônio não fazia diferença. Portanto, fiz o que precisava ser feito e, quando chegasse a hora, eu pretendia ir ao seu encontro e então ir jogar tênis. Eu jogava muito tênis naquela época.

Encontrei-a na calçada. Ela caminhou até mim, segurou a minha mão, olhou para mim e disse: "Você deve ser John." (Ela sabia o meu nome porque as pessoas que traziam os seus ensinamentos à prisão tinha contado a ela sobre este cara que a detestava, falava mal dela e era furiosamente contra ela.)

E quando ela falou, tudo parou. Não sei como dizê-lo de outra maneira: tudo simplesmente parou. Os pensamentos pararam. O movimento agitado da atenção, movendo de objeto em objeto, parou. Todo o mecanismo de pensamento e compreensão, intenção, motivo, história, memória (tudo que eu acreditava que era) simplesmente desapareceu. E, na ausência de tudo mais, eu permaneci.

É claro que me apaixonei imediata e totalmente por ela. Passei o primeiro ano após o nosso encontro em um estado de extrema bem-aventurança e a nítida visão da realidade cristalina da unidade de todo o ser. Escrevi a ela praticamente todos os dias e, por um milagre inimaginável, ela respondeu às minhas cartas com a mesma frequência. Ela falava sobre mim aonde quer que fosse. Eu era o seu preferido, a sua estrela. E passei aquele primeiro ano mergulhado em bem-aventurança, sem julgamento, sem preferências, nada além de extrema felicidade.

Mas no fundo de tudo, havia a crença invisível, e não menos poderosa por estar oculta, de que esta bem-aventurança, este novo estado, esta nova história era realmente eu. A estas alturas, eu tinha começado a ler todos os livros espirituais que pudesse encontrar. Agora percebo que fiz isso para poder contar para mim mesmo a história do John Sherman iluminado, o John Sherman realizado, a nova e melhorada versão de John Sherman. Eu li os livros de Papaji. Li Nisargadatta e o Cânon Pali budista; li Wei Wu Wei e Rumi; li os Vedas, o Gita, os Upanishads, os Sutras do Coração e Diamante, o Sutra Vajra-Samadhi, o Sutra das Dez Ações Saudáveis, o Sutra da Flor de Lótus, e muitos outros Sutras Mahayana; li o Tripitaka, o Yoga Vasistha, li sobre Shankara e seus ensinamentos. Não li Ramana porque eu já sabia o que ele tinha a oferecer. A única coisa que Ramana tinha era a pergunta "Quem sou eu?" e eu já sabia quem eu era: eu era Ser-Consciência-Bem-Aventurança; eu era a própria Consciência Desperta, pura, límpida e imaculada. Escrevi a Gangaji naquele ano, dizendo "ouço as pedras cantando silenciosas árias do Ser para mim." Portanto não precisava de Ramana, ele era simples demais, elementar demais para mim.

Depois de um ano mais ou menos, descobri que a bem-aventurança estava ausente. Descobri que queria outras coisas; queria coisas mais humanas, como o amor verdadeiro de uma mulher, um acesso físico mais direto a Gangaji, sair da prisão, dinheiro suficiente para viver confortavelmente na prisão e, mais tarde, quando fosse libertado, alguma esperança de segurança e conforto, e coisas desse tipo. Descobri que queria tudo isso e muito mais, coisas que eu não tinha, e a experiência de felicidade suprema e paraíso começou a se desfazer, revelando que não era tudo aquilo que prometia ser. E, semelhante a qualquer boa droga cujo efeito passa, a experiência de abstinência foi mais horrenda e desgraçada do que a "viagem" fora bela e magnífica.

Assim, a experiência de paraíso, felicidade suprema, "tudo é um" e ausência de separação desfez-se diante da minha crescente convicção de que eu precisava e não tinha certas experiências importantes que me eram negadas: uma nova nova história sobre mim tinha surgido, a história de John Sherman, o ser empobrecido e carente. O que iria acontecer comigo quando eu saísse da prisão? Eu não tinha emprego. Não tinha dinheiro. Não sabia fazer nada. Não tinha ninguém para me amar... O que eu iria fazer? Como sobreviveria? Será que o Buda me ajudaria então? Será que Gangaji me ajudaria?

Tudo desmoronou rapidamente, e o que tinha sido o paraíso, um ano inteiro de felicidade suprema, agora estava revelando a sua outra face: horror, feiura, claustrofobia, contração, hostilidade, carência, falta, querer o que não poderia ter, resistência fútil, apego, perda, desejo intenso...

Caí em um desespero abjeto. Lembro-me que queria gritar aos céus e implorar ao deus no qual não acreditava que fizesse com que eu nunca tivesse conhecido aquela mulher; que fizesse com que eu nunca tivesse escutado falar de iluminação, de auto-realização nem nada daquele lixo. Antes de conhecê-la, tudo estava bem. Eu jogava tênis, bridge, fumava um baseado de vez em quando, passava o tempo com meus companheiros, eu estava bem mesmo. Eu não tinha muito e não esperava grande coisa. Mas agora que o paraíso, a felicidade suprema e a liberdade eterna e incondicional tinham se revelado e tendo visto tudo aquilo desaparecer, eu daria o que quer que fosse para jamais ter ouvido falar de nada daquilo. Eu tinha escutado os budistas dizer que simplesmente ouvir a palavra iluminação já era o maior golpe de sorte em uma vida. Eu me lembrava e cuspia naquela memória. Eu daria tudo para jamais ter escutado aquela palavra e poder simplesmente voltar para o ponto de onde começara; daria tudo para ter uma segunda chance de dizer ao Alan, o cara que tinha me convidado para ir vê-la: "Não, não quero me envolver com nada disso." Mas o inferno não desaparecia, o desejo intenso não arrefecia. A claustrofobia não relaxava; a dor, o sofrimento, a penúria doentia não iam embora. Não havia nada que fizesse tudo aquilo desaparecer.

Então, finalmente, em desespero, não por causa de alguma compreensão, intuição ou percepção nova, motivado simplesmente pela desesperança e o desespero, voltei-me para Ramana pela primeira vez. Comecei a ler os livros de Ramana. Eu carregava o livro grosso de capa vermelha chamado Talks With Ramana Maharshi [Conversas com Ramana Maharshi] comigo aonde quer que fosse, e lia o tempo todo. Eu lia e não conseguia entender quase nada do que ele dizia. Ele falava de conceitos e práticas com os quais eu estava habituado, como pranayama, mantra e japa, o vazio e a destruição da mente, e outras coisas assim, mas falava sobre tudo aquilo como se fosse irrelevante. As pessoas vinham até ele com perguntas e, embora ele fosse incrivelmente erudito, conhecendo a fundo todas as coisas relativas ao entendimento espiritual e possuindo uma compreensão imediata e profunda do que elas perguntavam, mesmo respondendo a elas a partir daquela compreensão e adotando o vocabulário e o ponto-de-vista delas, era óbvio que para ele tudo aquilo era irrelevante.

A única coisa que tinha qualquer interesse para Ramana era a pergunta "Quem?" Em todo e qualquer caso, Ramana encorajava todos que o procuravam a descobrir a verdade do que eles são. Ele nunca se desviava disto. Jamais. Repetia frequentemente. Quem está perguntando? Quem tem este problema? Quem precisa disto? Quem sofre com isto? Quem quer isto? Quem é você, de verdade? O que é você, realmente?

Com relação ao ego, ele encorajava estas pessoas que eram tão espiritualmente educadas a esquecer de tudo que sabiam sobre a suposta inexistência do ego, aconselhando-as, em vez disso, a "agarrar o ego pelo pescoço". Estas são as suas palavras. Agarrar-se ao ego e ver de onde ele vem, para onde ele vai e o que ele é. Ele falava sobre o pensamento-eu e dizia a todos para tentar ver de onde ele surge. "De onde ele vem?" perguntava ele. "Eu sei que você está repleto de entendimento espiritual, que você sabe tudo sobre a felicidade suprema, e que é perito em pranayama e tudo mais, mas e este 'eu'? O que é este 'eu'? O que é realmente?" Esta é única coisa em que estava interessado. Ele dizia às pessoas para fazerem apenas uma coisa: simplesmente descubra o que você é, e tudo o mais vai se resolver por si mesmo.

Em meu desespero, levei suas palavras a sério. E comecei a procurar, da melhor maneira que podia, tentando descobrir o que eu era. Eu não era muito bom nisso, mas comecei a procurar o pensamento-eu, a procurar o ego, o sujeito, a consciência. Comecei a procurar o que é permanente. O que sou eu, de verdade? De onde vem o pensamento "eu"? A que ele se refere? Afinal de contas, o que é este "eu", esta história que contém uma única palavra?

Tive muita sorte porque estava na prisão e, por causa de delitos anteriores, só tinha que trabalhar durante 20 minutos todos os dias. A administração da prisão onde eu estava naquela época tinha me proibido de trabalhar a menos de 30 metros de qualquer computador e o único trabalho que se encaixava nesta descrição era a limpeza do banheiro da sala dos guardas, uma tarefa que levava no máximo 20 minutos para ser completada, e depois disso eu estava livre para caminhar no pátio, sentar na minha cela, e fazer qualquer coisa contanto que ficasse longe dos computadores.

Portanto, passava todo o meu tempo procurando: procurando, procurando e procurando; lendo Ramana, procurando, e nada mais; totalmente preocupado, obcecado mesmo pela necessidade de descobrir a verdade sobre mim mesmo. Eu tinha ouvido Ramana dizer que o único problema é a falsa convicção acerca do que eu sou, que a única solução é a verdade, e que a verdade é fácil. Ouvira Ramana dizer que nenhuma experiência, nenhum fenônemo, nada de bom e nada de ruim tem qualquer significado nesta questão. Nada disso é errado. Suas práticas não estão erradas, suas crenças e convicções não estão erradas, suas coisas boas e más não estão erradas. Elas simplesmente não têm nenhuma utilidade aqui. Descubra quem você é e tudo mais se resolverá por si mesmo.

Eu ficava sentado no meu beliche, olhando para "dentro". Eu sabia que o mero pensamento de olhar para dentro não era nada espiritual. Dentro e fora não existem, não é mesmo? Tudo é um, não existe dentro nem fora, nem em cima nem embaixo, nem eu nem você, nem sofrimento, nem o fim do sofrimento, e daí por diante. Mas ainda assim, eu tinha que fazer alguma coisa, tinha que olhar em algum lugar, portanto tentei olhar para dentro, de todo coração, para descobrir o que é este dentro. O que é estar dentro? Onde dentro se localiza? E eu buscava a "mim" e buscava o "eu". E buscava o ego. Encontrava experiências de contração e carência, pequenos nós de sensações desagradáveis que se revelavam como estando dentro do que parecia ser o corpo. E aquilo tinha a sensação de "mim". Então devia ser o ego. Pouco me importava que isto fosse espiritualmente incorreto. Eu me dirigia ao que quer que fosse que parecia ser eu e me agarrava àquela coisa, segurando-a pelo pescoço. E nada demais acontecia. Mas eu continuava, eu persistia. Sentava na minha cama e me agarrava a estas experiências de carência, de desejo intenso, contração e agressão, dizendo em silêncio a mim mesmo, com toda a energia agressiva que pudesse conjurar: "Morre! Morre! Morre!", tentando de todo coração matar esta coisa de uma vez por todas. Afinal de contas, o insight espiritual mais comum é que o ego tem que morrer ou ser curado, e a cura me parecia altamente improvável.

Um dia, sentado no meu beliche, tentando fazer com que o ego morresse, me ocorreu o seguinte: "Ora, esta coisa nunca vai morrer!" E eu explodi em gargalhadas. Eu morri de rir... Foi bom.

No chuveiro, sentindo a água escorrendo pelo meu corpo, eu me concentrava na sensação da água na pele, tentando ver o que era esta experiência de estar consciente, não da água ou da pele, mas simplesmente a sensação nua e crua em si mesma. Como Ramana tinha me dito para buscar a mim mesmo, eu tentava descobrir o que era estar consciente daquela sensação. Era a única coisa que eu tentava fazer, buscar a mim mesmo, aprender como procurar a mim mesmo procurando. Eu procurava o sujeito. O que sou eu, de verdade? O que é isso que sente a sensação da água na pele? O que é isso que percebe que aquilo é água e isso é pele? O que é isso que vê estes pensamentos? De onde vêm estes pensamentos? O que é pensamento? Como posso capturar isso?

E um dia no chuveiro (nunca mais esquecerei este dia enquanto viver) eu estava ensaboando a minha axila enquanto olhava para dentro, tentando ter a experiência direta do "experienciador". Quem está sentindo isto? Quem é este que sente isto? O que é estar consciente disto? De repente, sem qualquer aviso, eu vi, sem a menor possibilidade de engano, isto que Ramana chama de pensamento-eu explodir, a partir do nada. E reconheci, instantânea, inesperada e indisputavelmente que era a sensação real disso que sempre tinha acreditado ser eu. Ele apareceu do nada, no nada, como a primeira fagulha de um foguete que explode em um espetáculo de fogos de artifício, irrompendo no céu escuro e vazio, precipitando-se para fora, florescendo e se ramificando, como uma chuva flamejante de memórias, intenções, expectativas, o enredo sobre o que eu estou fazendo e por quê, e o que pretendo fazer em seguida e por quê, e tudo mais; flor e ramo, desabrochando e então desaparecendo no mesmo nada do qual se originaram, de onde surgia quase imediatamente um outro eu, uma outra narrativa da minha história. E foi tão encantador e vívido, com surpreendente insight e entendimento espiritual, confirmação e alívio, que uma torrente de lágrimas escorreu pelo meu rosto, felizmente oculta dos outros presos endurecidos também presentes no banheiro coletivo pela água do chuveiro.

E nada disso significa coisa alguma. Nada disso tem a ver com o objeto da auto-investigação. A maravilha de se ver que o ego não pode morrer, o esplendor de se ver o nascimento-morte-renascimento do pensamento-eu, o ano de felicidade suprema, o colapso da bem-aventurança, os meses no inferno, nada disso significa coisa alguma.

Minha intenção, ao relatar a você este melodrama espiritual, não é sugerir que a a minha agitação cega seja a maneira correta de conduzir a auto-investigação, pelo contrário: com o meu mau exemplo, quero mostrar a você que a auto-investigação é infalível e que você não tem como fazê-la da maneira errada. Por pior que seja a maneira como é realizada, uma vez que a intenção de descobrir o que você é tenha tomado conta de você, a auto-investigação o conduzirá de volta ao lar.

Eu pensava que sabia do que Ramana estava falando; pensava que entendia o que ele queria dizer quando falava do eu-pensamento, do eu-eu, de libertar-se da mentira, e daí por diante. Pensava que compreendia que o que ele estava prometendo quando falava de Auto Realização e, mesmo quando ele insistia que a Auto Realização não é e nem pode ser nada de novo, e que não pode ser um estado novo, eu não me deixava enganar. Eu sabia que o "estado natural" de que ele falava seria algo inteiramente puro e novo, um estado com o qual nós, prisioneiros que somos de uma teia de ignorância e desejos insatisfeitos, apegos e resistência, sequer podemos sonhar. Eu sabia, com certeza absoluta, que a realização significava o fim de desejos insatisfeitos, apegos e resistência, o desmatamento da selva de intelecto e sensação que é a vida humana. Conforme procurava desesperadamente por mim mesmo, eu sabia o que aconteceria quando finalmente visse a verdade resplandecendo na escuridão e sabia que toda a confusão e a ignorância desapareceriam ao sol da manhã.

Como poderia imaginar que não era preciso fazer nada com relação ao apego e a resistência, a confusão e a ignorância e o desejo intenso de felicidade? Eu pensava que a falsa crença era a causa de todas estas coisas e que, em sua ausência, elas desapareceriam e a clareza prevaleceria. Eu pensava que o objetivo da auto-investigação era livrar-me destes estados e experiências opressivos.

Mas, na realidade, o sofrimento da vida humana não tem nada a ver com os estados de confusão e ignorância, os atos de apego e resistência, ou a experiência de um desejo intenso de felicidade; o sofrimento não tem nada a ver com a confusão miserável que caracteriza grande parte da vida humana e nada a ver com a oscilação nauseante entre experiências boas e ruins. Todas estas coisas, todos estes estados, os bons, os maus e os neutros, são apenas histórias sobre você, no esforço de explicar e mostrar-lhe a si mesmo e, quando finalmente são vistos pelo que são, percebe-se claramente que eles não podem lhe fazer nenhum mal nem tampouco ajudá-lo.

Mas como poderia saber isso, prisioneiro que estava da convicção de que esta história sobre mim era realmente eu, e que a minha felicidade, minha própria existência dependiam do resultado desta história?

Ainda assim, apesar de todos os meus esforços para sabotar o método de Ramana, o remédio fez efeito.

É útil pensar na autoinvestigação como um remédio, como um antibiótico que se toma para curar uma doença infecciosa. Se você está doente, com uma doença infecciosa, você consulta um médico; ele lhe receita um antibiótico, que você tem que tomar quatro vezes ao dia durante quatorze dias. Ele lhe dirá para tomar todos os comprimidos, mesmo se começar a se sentir melhor antes do prazo de quatorze dias.

A autoinvestigação consiste em simplesmente olhar diretamente para si mesmo, para o simples e inegável fato de que você está aqui, olhar para esta experiência nua de Ser, sem esperar nem projetar nada neste olhar. Este Ser, esta sensação de presença é a totalidade da verdade sobre você. Ela é permanente, imutável e jamais ausente. Ela sempre esteve presente no pano de fundo de cada momento de sua vida. Ela está presente enquanto você dorme, quando está acordado, sonhando, trabalhando, se divertindo, pensando, e está aqui quando você está querendo algo e quando não está querendo nada. Neste momento, ela é exatamente a mesma que era quando você tinha três, treze ou trinta anos. Ela é isto que faz com que seja impossível negar que você existe. Ela é a única verdade que existe e olhar para a verdade é o remédio que destrói a mentira de que você é a sua vida.

E você tem que tomar este remédio não apenas três ou quatro vezes ao dia, mas absolutamente sempre que se lembrar, e precisa tomá-lo até o fim de sua vida. Mas você logo verá, e eventualmente compreenderá, que olhar para a realidade de si mesmo é o que você sempre quis, desde o dia em que nasceu e, portanto, você não terá qualquer dificuldade em lembrar de retornar a este poço e beber desta água, tomar este remédio.

Quando você toma um antibiótico para curar uma infecção no corpo, você não sabe exatamente o que está acontecendo conforme o tratamento prossegue. Você não pode ver nem sentir o envenenamento gradual e os estertores dos micro-organismos que invadiram o seu corpo. Você não está diretamente consciente dos processos biológicos da cura que ocorrem enquanto o poder da doença diminui com a morte de sua causa. Você só sabe que, gradualmente, pouco a pouco, cada dia você se sente um pouco melhor do que se sentia no dia anterior.

O mesmo ocorre com a autoinvestigação. Não espere uma mudança de perspectiva ou um estado espetacular, pois não é isto que a verdade lhe traz. A verdade não é algo novo, e a verdade traz unicamente a verdade, retirando de você a mentira que é a única causa do seu sofrimento. Muitas experiências podem ocorrer, boas e más, conforme a mentira se arrefece e a necessidade de controlar as coisas morre com ela, mas elas não significam nada. Aos poucos, cada dia você se sentirá melhor do que no dia anterior, independentemente da natureza das experiências que vão e vêm em você. E por fim, você estará em paz com tudo. Como sempre esteve.

Pode contar com a continuação do ego e, com ele, o drama da história da sua vida, mas ele significará cada vez menos para você, pois perderá a sensação de importância desesperada que tem agora. Afinal de contas, o ego não é o problema. A mentira de que o ego é você, este é o único problema.

E lembre-se sempre: você não tem como errar. A única coisa necessária é a intenção firme de olhar para si mesmo diretamente, sempre que puder, e tudo mais se resolverá por si mesmo.

Esta é única coisa de valor que se pode deduzir de meus esforços na direção errada. Apesar de toda a minha estupidez e o meu gosto pelo drama, tudo que fiz a partir do momento em que me voltei para a autoinvestigação inadvertidamente me trouxe face a face com a experiência direta de mim mesmo, com a verdade de mim mesmo, repetidamente. E foi isso, e somente isso, nunca o que eu pensava que estava acontecendo, que com o passar do tempo erradicou a mentira de que eu sou a minha vida. Seja o que for que eu pensava que estava acontecendo, eu estava olhando para mim mesmo, repetidamente, sem saber, e foi unicamente isso que me libertou da mentira.

Eu continuei a investigação; continuo ainda hoje, e pretendo continuar até o meu último suspiro. Com o tempo, minha crença na história foi diminuindo e agora parece ter desaparecido completamente. Não posso dizer que em um determinado dia encontrei a liberação ou que em um certo dia despertei para a liberdade eterna e incondicional. Na verdade, jamais houve um momento sequer em que eu não tenha sido o que eu sou, e o que eu sou não é nada mais do que a certeza de ser que é liberdade eterna, paz e amor.

Quanto à minha história, à minha vida, ela com certeza mudou. O que antes era difícil, agora é fácil e agradável, o que era amargo tornou-se doce, o que era privação transformou-se em realização, e o que era uma prisão agora é liberdade eterna e esplendorosa. Mas, na verdade, sempre foi assim. As circunstâncias eram, e ainda são, às vezes difíceis e outras vezes fáceis, às vezes agradáveis e outras difíceis, às vezes carentes e outras vezes plenas, às vezes restritas, outras vezes abertas e livres, mas a vida em si jamais foi outra coisa senão um instrumento através do qual eu saboreio a mim mesmo, através do qual eu vejo o desenrolar interminável desta tentativa fútil e gloriosa de dizer a mim mesmo o que eu sou. Toda a vida é isso. A totalidade do cosmos e todo o tempo e o espaço são isso. Cada pensamento bom e cada pensamento ruim, cada ação generosa e cada ato egoísta, cada momento de clareza e cada momento de confusão obscura são um fio neste tecido do ser que é sem fim, que é um infinito ato de tornar-se.

O que mudou mais fabulosamente foi que, na ausência da crença de que eu sou a minha vida, e na ausência de qualquer convicção sobre o que eu sou e o que eu não sou, a energia de agressão, ódio e traição que naturalmente flui a partir da crença sobre o que eu sou simplesmente desapareceu. Nada está em jogo aqui. Nada que acontece aqui me atinge, tira o que quer que seja de mim, me dá o que quer que seja, ou me modifica de qualquer maneira que seja. Foi sempre assim, e foi somente a crença de que eu sou a minha vida, de que eu sou uma coisa, o que quer que seja, que fez com que parecesse diferente.

Se eu tivesse tido uma orientação prática e direta na execução da auto-investigação, minha busca poderia ter sido muito mais curta, mais direta e menos melodramática mas, sem os meus passos em falso e a minha confusão com relação ao que precisava fazer, talvez eu nunca tivesse percebido que o que eu pensava que estava fazendo era irrelevante. Sem os meus tolos esforços para ver o pensamento-eu, para me tornar o eu-eu, para me livrar do ego desejando a sua morte ou vendo que ele era falso, muito provavelmente eu jamais teria visto a perfeita simplicidade da auto-investigação de Ramana, jamais teria percebido e não poderia agora sugerir a você que, seja lá o que for que você está fazendo ou as razões pelas quais você pensa que está fazendo o que está fazendo; independentemente do que você pensa que vai ganhar ou perder com isto, simplesmente olhe para si mesmo, sempre que lhe ocorrer, e tudo mais se resolverá por si mesmo.

Em última análise, se você acreditar que é qualquer coisa, seja esta a menor, mais limitada, insignificante, sem esperança e inútil de todas as coisas em toda a criação, ou seja ela eterna, infinita, a própria Consciência radiante e esplendorosa, a fonte e a origem de toda a criação, ou qualquer coisa entre estes dois extremos, você sofrerá e lutará para proteger, melhorar ou piorar a história de si mesmo. Em última instância, só a verdade importa, e a verdade de você está sempre presente; ela é inegável e está sempre instantaneamente acessível a você, em todas as horas e circunstâncias. Simplesmente olhe para si mesmo neste momento e você verá.

John Sherman

24 de novembro de 2006

(Tradução de Carla Sherman.)

Texto colhido do site: 

Um comentário:

  1. Somente agora conheci este site. A história é maravilhosa. Obrigado pela tradução e publicação. Parabéns!

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